sábado, 21 de outubro de 2017

ACETILENO: POR QUE NÃO?

Recentemente, tem surgido na internet vídeos sobre o uso experimental de carbureto em veículos, incluindo motos. Mas o que seria o carbureto, e como ele poderia ser usado como substituto dos combustíveis tradicionais?

Pedras de Carbureto de Cálcio.


O carbureto, mais conhecido como ‘hulha’, ‘carvão de pedra’, carbeto ou carboneto, de fórmula química CaC2, é uma matéria abundante na natureza, mas em seu estado natural, pedregoso, não pode ser usado em veículos comuns. Na verdade, ele é a matéria-prima para o Acetileno, produto de sua reação com a água, gás popularmente conhecido pelo seu uso em soldas de alta temperatura (em torno de 3.500°C).

Solda de Acetileno (Química Ensinada).

Numa escala menor, as pedras de Carbureto são inseridas em dispositivos popularmente conhecidos como ‘carbureteiras’, onde acontece a reação química cujo produto é o Acetileno, expressa na seguinte fórmula:

CaC2 +H2O > Ca(OH)2 + C2H2

Através desse processo, com 1Kg de CaC2 é possível produzir 250 a 280 Litros de C2H2. Mas como um gás usado em soldas poderia mover uma motocicleta, por exemplo? Quais as suas vantagens (e desvantagens) em relação aos combustíveis comuns?

A popular 'Carbureteira' (Loja do Mecânico).

O Acetileno, de fórmula C2H2, é um hidrocarboneto, como a Gasolina, da família dos Alcinos. Sua principal característica é seu alto poder detonante, inclusive em contato com o ar, e instabilidade, com temperatura crítica de 36,3°C e autocombustão a 305°C, não podendo ser utilizado a pressões superiores a 2 Atmosferas, daí sendo comumente armazenado em cilindros de aço dissolvido em Acetona líquida, sob pressão de 20 atmosferas e temperaturas de 21°C.

Cilindro com Acetileno (Dreamstime).

O seu alto poder de ignição e liberação de energia na forma de chama tornou-o perfeito para o uso metalúrgico pesado, combinado com o Oxigênio (O2). E é exatamente isso o que tem voltado olhares para sua aplicação em motores.

Aqui vale chamar a atenção para um detalhe:  na solda, o acetileno atinge altíssimas temperaturas devido à sua combinação com O2 comprimido, o qual dá a intensidade cortante da chama. Num motor, o Acetileno seria pulverizado como um combustível comum na mistura junto de uma quantidade de ar com quantidade bem menor e com pressão bem inferior ao que ocorre na solda. Portanto, o Acetileno não vai ‘derreter’ o motor, como muitos pensam.

As temperaturas capazes de cortar qualquer metal na solda de Acetileno só são possíveis graças ao o uso combinado com Oxigênio pressurizado (cilindro preto).

O Acetileno é ainda conhecido através de outra utilização mais singela, a 'Lanterna de Carbureto' usada nas jazidas de mineração. O seu princípio de funcionamento é simples: a lanterna consiste em dois recipientes distintos e destacáveis: no inferior, coloca-se as pedras de carbureto, na parte superior, se coloca a água, que é regulada para cair num fluxo constante sobre as pedras gerando o Acetileno, que sai pelo bico em uma campânula espelhada, onde é acendida queimando com intensidade regulável através da passagem de água para o recipiente inferior.

Lanterna de Carbureto: seu funcionamento simples revela uma fonte de combustível que pode ser aplicável em veículos. (Mercado Livre)


A reação de combustão do Acetileno, que pode ser expressada na fórmula C2H2(g) + 5/2O2(g) > 2CO2(g) + H2O(g) ΔH, é uma reação exotérmica (ΔH), quer dizer, que gera energia. Assim, a queima de 1Kg de C2H2 produz 9.800 kcal (quilocalorias) ou 30.342.368 de Joules (grandezas para medida de energia). Apesar de extremamente energético em relação aos demais combustíveis convencionais, O Acetileno ainda é menos calorífero do que a Gasolina, que apresenta 10.400 Kcal/Kg, ou 31.329.792 Joules. Então, o que torna o Acetileno convidativo?

A resposta depende de alguns conceitos e cálculos químicos básicos: A massa molar e a Densidade.

A massa molar é o ‘peso mínimo’ de cada substância, expresso em gramas ou simplesmente a palavra ‘mol’.

Já a Densidade é a relação entre o peso e o volume de uma substância, quer dizer, quanto peso determinado líquido ou substância possui e vice-versa.
Assim, sabe-se que o Acetileno possui 1.368.000 J/mol, e a Gasolina 5.471.000 J/mol, e Massas molares respectivamente: 26g  e 114,23g. Nota-se a Gasolina é mais calorífica, quer dizer, libera mais energia com sua queima completa. Tais dados nos levam ao seguinte:

Acetileno= 26 g - 1.368.000 J
                     1g – x=52.615,38 J

Gasolina= 114,23 g - 5.471.000 J
                        1g – x=47.894,59 J

Sabe-se agora a energia que cada grama de Acetileno e de Gasolina libera. Mas a capacidade dos motores é medida em volume e não em peso, no caso centímetros cúbicos (cm3, cc ou mililitros/mL). Para descobrir o valor energético de cada mL das substâncias, utilizamos a equação da Densidade: D=m (massa)/ V (volume). Uma vez que já conhecemos a Densidade dos dois combustíveis:

D Acetileno=m/V > V=1g/0,0011g/cm3 > 909cm3 (mL)

D Gasolina=1g/0,74g/cm3> 1,35cm3 (mL)

De posse dessas informações, é possível ainda conhecer o poder calorífero de ambas as substâncias por mililitros (lembrando que 1000mL= 1L):

Multiplicando a quantidade de Joules pelo Volume  de cada substância (909 mL e 1,35 mL), que corresponde a um grama, chegamos aos seguintes valores: 

1g C2H2 = 47.827.380,42 J/ mL,

1g C8H18= 7.385.850 J/mL.

O Acetileno libera 647,55 vezes mais energia do que a combustão da mesma quantidade de gasolina. Mas como se deu essa virada tão brusca de valores, sendo que o poder calorífico do C2H2 é menor?

Exatamente devido à Densidade. O acetileno, enquanto gás de baixíssima densidade, pode ocupar um maior volume em relação à gasolina, que apresenta densidade maior e está no estado líquido. Na prática a baixa densidade do Acetileno acaba contrabalanceando sua energia menor.

Com a energia da Gasolina e do Acetileno expressa  em Joules e quantificadas em mL, é possível fazer uma comparação de desempenho dos dois combustíveis, tendo como ponto de partida o motor 125 cm3 (mL) da Suzuki Intruder 125:

Se a energia de 1 L  de Gasolina (7.385.850.000 J) é capaz de gerar um rendimento de 31 Km, 1 L de Acetileno (47.827.380.420 J) gerariam= 200,74 Km.

E é possível estimar ainda a potência de um motor de 125cc, como o da Intruder, se hipoteticamente  fosse movida a Acetileno:

125mL C2H2= 5.978.422.552,5 Joules / 125mL C8H18= 923.231.250 Joules

Se 923.231.250 J geram 11cv no motor da Intruder, 5.978.422.552,5 J gerariam= 71,23cv.

Por fim, qual seria a cilindrada de um motor com 15 cavalos movido a Acetileno?

125cc – 71,23cv
X   -   15cv= 26.32cc.

Um motor com esse volume nem poderia ser classificado como motocicleta, seria uma motoneta. Mas a partir de 51cc, oficialmente ela poderia ser considera uma motocicleta, desenvolvendo fabulosos 29,06cv.

E a pergunta inevitável: qual seria a velocidade máxima com essa potência? Vamos utilizar mais uma vez a regra de três com base nos valores da Intruder 125:

11cv Intruder – 120Km/h (velocímetro)
29,06cv   -   x= 317.01Km/h

Está demonstrada assim a viabilidade energética do Acetileno, mas e o lado financeiro?

Um quilo de Carbureto, a matéria-prima do Acetileno, é vendido na faixa de R$45,00, enquanto que um gerador de Acetileno com capacidade de 1 kg está entre R$600-700. Considerando a Gasolina num valor médio de R$4,18 (26/09/2017), comparemos com o preço do Acetileno baseado apenas no custo de sua matéria-prima, considerando que já existe um gerador e cilindro adequados para sua produção e acondicionamento:

1kg de CaC2 = 291,5L de C2H2 (média)

Se 1kg CaC2= R$45,00, é correto afirmar que 291,5L C2H2 também custa pelo menos R$45,00 (naturalmente, outros custos envolvidos na produção serão agregados ao preço). Então, se 291,5L/C2H2/ R$45, 1/L de Acetileno= R$0,15. Vale lembrar que 1 Litro de Acetileno, de qualquer modo, não é só mais barato (R$ 0,15/L), como tem maior autonomia (cerca de 200km/L), contra 31km/L a R$4,18/L da Gasolina, e que os cilindros nesse caso não seriam recarregados em casa, devido aos riscos oferecidos na manipulação do C2H2. O cálculo a partir de um gerador de Acetileno caseiro foi apenas para mostrar o quão baixo é o custo de produção desse combustível.

Vê-se que o Acetileno não apenas gera mais energia, como também é mais barato. Se a sua produção doméstica é viável, tanto maior seria em larga escala, o que tornaria a comercialização de cilindros de 1L, por exemplo, muito mais em conta do que um litro de gasolina com uma autonomia várias vezes superior. Para minimizar os riscos durante o manuseio do Acetileno, as motocicletas deveriam sair de fábrica com um sistema de substituição dos cilindros fácil e seguro, além de disponibilizar estações de compra e recarga, e manutenção de cilindros.

O Acetileno supera a gasolina também na questão ambiental, gerando menos resíduos agressivos, salvo um marcante cheiro semelhante ao do alho.

As motos e carros comuns poderiam ser convertidos para rodar com Acetileno? Talvez. O maior obstáculo é oferecer acondicionamento seguro para os cilindros do gás e substituir as partes de cobre do motor, metal em cuja presença o Acetileno reage gerando explosão.

Muitos podem questionar: 'mas a octanagem do Acetileno é baixa, não serviria para um motor a explosão'. A questão é que o que faz um motor trabalhar é a explosão, e a octanagem não faz isso, ela apenas a retarda no combustível, o qual possui o chamado 'poder calorífico', o qual quanto mais elevado, mais energia vai gerar com a ignição. Tudo depende de o motor ser projetado para tal e qual particularidade de queima de um combustível.

Finalmente, o Acetileno jamais deve ser utilizado num motor à gasolina/flex convencionais, mesmo que mistura, devido à já comentada reação com o cobre. De qualquer forma, isso só seria possível se o Acetileno estivesse dissolvido em outro líquido, já que em seu estado líquido ele está em temperaturas sub-zero, o que causaria problemas na carburação/ ignição.

 E foi pensando nisso que resolvi esboçar uma motocicleta movida a acetileno. Aproveitei e desenhei um motor com sistema de transmissão inédito, a fim de aproveitar o máximo possível a força motriz, eliminando várias peças móveis do motor que dissipam a energia gerada sobre o pistão e aumentam o risco de danos pelo desgaste – um modelo que aliás ficaria bem em qualquer combustível.