quarta-feira, 28 de março de 2018

VOLANTE MAGNETO E O CALOR


Qual motociclista bem rodado nunca se viu às voltas com uma bateria que não segura carga, deixando o piloto à pé nos momentos mais inconvenientes?

Numa boa parte dos casos, o problema não está exatamente na bateria e sim no Volante Magneto, peça alojada sob a tampa esquerda do motor, a qual nada mais é do que um dínamo acoplado ao motor cuja função é gerar energia elétrica através da energia cinética do motor para manter a bateria sempre carregada mesmo com toda a demanda de eletricidade da moto em operação.

Volante Magneto e Estator: peças que garantem a recarga da bateria.

Como todo dínamo, o volante é envolvido por uma carcaça imantada, ou ímã, no centro do qual um conjunto de bobinas giram convertendo o campo magnético em eletricidade. É aí onde está o ponto fraco do Volante, que o faz falhar com frequência.

O dano mais comum da peça é a quebra da armadura magnética, provocada em geral por descuido durante o manuseio, isso faz com que o ímã da armadura adquira uma segunda polarização, isto é, passe a funcionar como um ímã à parte, prejudicando o processo de indução de eletricidade.

Outro problema que acontece com relativa frequência é o calor excessivo gerado especialmente por motores monocilíndricos, nos quais as elevadas temperaturas do motor podem levar o ímã do Volante a perder suas propriedades magnéticas devido a um fenômeno físico: todo ímã, quando submetido a temperaturas elevadas, perde sua carga magnética (quem quiser conferir, pegue um pedaço de ímã e o aqueça com um isqueiro ou vela por um instante. Apenas tome cuidado para não se queimar. Dependendo do tempo de exposição ao calor, o ímã perderá em parte ou totalmente seu magnetismo).

Obviamente, o Magneto das motos são construídos para suportar a alta temperatura dos motores, mas nem mesmo essa tolerância é uma garantia da desmagnetização pelo calor. Vou dar um exemplo pessoal.

Eu tinha uma Honda CG 150 KS 2006. A moto funcionava perfeitamente, até eu decidir percorrer mais de 1000Km (com paradas) numa viagem até Curitiba-PR.  Quando retornei, fiz a manutenção para substituir as peças desgastadas e segui a rotina, até que minha moto começou a descarregar a bateria constantemente. Certa feita, eu voltava de Goiânia-GO, quando a bateria simplesmente ‘arriou’ na rodovia no meio do nada.

Aqui eu gostaria de manifestar a minha gratidão e pedir que os Srs. deem um salve aos Srs. Fabrício e o Murilo da Borracharia de Cezarina-GO, quem me salvaram dessa enrascada – A Lei da Estrada é sagrada, nunca se deve deixar alguém aflito na pista sem socorro, principalmente se for um irmão Motofahrer (ou biker, mais curto que o alemão).

Já na cidade, começou minha peregrinação nas oficinas, no interior e na capital, com substituição de peças à base de tentativa e erro: bateria, estator, retificador, chicote, rebobinagem do estator... Foi apenas depois de muitas e pacientes idas e vindas às oficinas e um bom dinheiro jogado fora que finalmente perceberam  que o Volante estava desmagnetizado. Obviamente, à época eu não entendia de motos tão bem quanto hoje.

É evidente que isso foi consequência em parte da longa viagem que fiz antes, expondo o Volante a uma temperatura intensa demais para sua tolerância. Por outro lado, é fato conhecido que as CGs daquele ano e outras saíram com o Volante Magneto problemático de fábrica.

Daí em diante, eu sempre tive comigo que motos monocilíndricas refrigeradas a ar deveriam vir de fábrica com uma espécie de isolamento térmico entre o motor e o Volante Magneto para prevenir que uma catástrofe anunciada aconteça – ora, se uma peça tende a degenerar com o calor e está exposta ao calor, é apenas uma questão de tempo que aconteça.

Portanto, a Intruder é um caso a ser analisado. Como eu disse, a desmagnetização do volante tende a acontecer quando o mesmo é submetido a elevadas temperaturas por muito tempo. Então, a exemplo de outras motos, a Intruder não é uma moto estradeira a princípio, ela não foi projetada para longos percursos com o motor em alta rotação. No entanto, não raro ela é utilizada para essa finalidade (eu sou um exemplo).

Mesmo dentro da cidade o problema persiste, já que uma moto pode permanecer em funcionamento (e com menos refrigeração) por horas a fio. O que fazer então para proteger o Volante Magneto e outras peças vitais, já que não é viável instalar proteção térmica pós-fábrica?

Investir em refrigeração.

Existe no mercado os chamados ‘Radiadores a óleo’, que é uma peça adaptável ao motor que leva o óleo do cárter para uma troca de calor externa, realizando uma refrigeração mais eficiente. Eu não tenho conhecimento amplo da peça, nem seus prós e contras, mas se de fato ela pode melhorar o controle de temperatura do motor, certamente ela é uma medida eficaz para proteger não apenas o Volante Magneto, mas o motor como um todo.

Radiador de óleo: uma alternativa para motos monocilíndricas de baixa cilindrada.

A Refrigeração a ar – as montadoras no geral apostam nas aletas do cabeçote como recurso suficiente para a devida refrigeração do motor. As aletas podem sim funcionar, desde que recebam um influxo de ar adequado.

A Tecnologia RAM - Basicamente, é um duto aerodinâmico sobre o cabeçote, por onde o ar passa com a moto em movimento realizando uma eficiente troca de calor. Em motos como a Intruder, tal configuração pode ser adaptada nas laterais.

O cabeçote da Suzuki GT 259: Sistema RAM de resfriamento.

Funcionamento Sistema RAM.

Tentei reproduzir o conceito na tampa do motor junto ao Volante, mas nenhum dos construtos que criei melhoraram o resfriamento da região. Foi então que eu reparei na tampa direita de uma Honda CG 160: na parte adiante onde fica o Volante Magneto, eu percebi que haviam aletas de refrigeração, como no cabeçote.

Tampa direita CG 160: detalhe para as aletas (Fonte: Chiptronic).

A primeira coisa que pensei foi que o meu raciocínio sempre esteve correto, e a Honda já havia se adiantado na questão do aquecimento da parte baixa do motor. A outra coisa foi como fazer o mesmo motor da Intruder.

Mas o ar já não passa em alta velocidade pela tampa do motor? Sim, ele apenas toca o motor conforme a velocidade, numa troca de calor breve. A diferença com as aletas é que elas retêm o ar por um período maior de tempo, tornando a troca mais eficiente.

Então comecei a trabalhar de novo. Peguei um pedaço de folha de ferro bem maleável e a dobrei como uma sanfona, e em seguida fiz os ajustes de acordo com o lugar de montagem nas tampas do motor, até finalmente fazer a sua colagem com cola para junta de motores diesel.

Confecção das aletas 'postiças'.

É fundamental que as pontas das aletas fiquem em total contato com a superfície do motor, para que a primeira lei da termodinâmica tenha efeito: quando o motor esquentar, o calor será transferido às aletas, pois de acordo com essa lei, o calor sempre migra para as partes mais frias.



Aletas após colagem na tampa esquerda (Volante Magneto).

Mas o fato de não ser aletas de fábrica trouxe uma vantagem: por terem partes vazias no lado de trás, o vento pode se infiltrar pela parte posterior, potencializando a troca calorífica.


Aletas do lado direito.


Exatamente pela lei termodinâmica, quando todo o motor estiver quente por igual com a moto em movimento, o resfriamento se dará nas aletas, e como sua dimensão é pequena em relação à quantidade de calor com o qual estão em contato, um processo constante de refrigeração terá lugar nas aletas, dissipando paulatinamente o excesso de calor do motor.

Partindo para a prática, as aletas parecem terem funcionado - com a moto em movimento, as mesmas apresentaram temperatura inferior em relação ao resto do motor, porém, com a moto parada, elas absorveram a mesma temperatura do motor, comprovando a Primeira Lei da termodinâmica.

Enfim, eu não quis investir em algo mais invasivo, como um radiador de óleo, já que o ar, como diz uma propaganda do carro Fusca de 1965 (também refrigerado a ar), não precisa ser recolocado e está por toda parte. Tudo depende de criar mecanismos eficientes o bastante para usá-lo no arrefecimento do motor e suas partes acessórias, garantindo motos mais seguras e confiáveis.