domingo, 7 de outubro de 2018

INTRUDER 125 > HORIZON 150: O ÚLTIMO ADEUS

Às vezes, mesmo sem querer, precisamos desapegar do que mais gostamos. No meu caso, era a minha Intruder ‘Panzerkampfwagen’ 125.

Minha ‘sede de gasolina’ falou mais alto. O instinto vital reclamava por mais potência, já que nas estradas, mesmo pegando tudo o que Intruder tinha para dar, ainda faltava alguma coisa – algo que poderia decidir minha vida e minha morte.

Fiz o que pude para torná-la mais aguerrida, mas como sabemos, isso tem consequências. Podemos extrair todo o potencial de um motor, mas vai chegar o dia (e não demora) que ele vai nos lembrar que sua arquitetura é limitada.

Minha Intruder me rendeu muitas alegrias, a principal foi o tempo preenchido com inúmeros ensinamentos. Por onde passou, atraiu olhares e cobiça. É uma moto que jamais esquecerei, foi a realização de um sonho de adolescência de ter uma moto custom chopper.

Podia ficar para trás, mas era amada por todos.

E agora? Recomeçar. Eu não tinha muito para investir numa moto substancialmente potente. Na verdade, nem é o caso – com quase 1,70 e uma média de 65 kg, não são necessários muitos cavalos para me carregar com força e velocidade satisfatórias nas ruas e nas estradas. 

As pessoas em geral confundem potência com cilindrada, e nem sempre um é sinônimo do outro, pois a potência é calculada com base no peso. O cálculo ideal de potência deve levar em conta quantos cavalos são necessários para deslocar o peso do veículo mais o peso do piloto multiplicado por dois (carona), mais um excedente relativo a bagagens, subidas fortes, vento, etc. (1cv de potência equivale à força necessária para levantar 75kg no espaço de um metro no intervalo de 1 segundo. Para ter uma noção, divida todo o peso da moto mais o seu por 75. Isso é necessário para deslocar a moto a 1m/s. O excedente de cavalos são relativos à velocidade e forças como atrito, arrasto do vento, gravidade, etc.).

Não que isso me diga respeito, mas tem muita gente desperdiçando dinheiro com combustível, peças e manutenção por motos com tantas cilindradas quanto um carro, e que jamais irão usar.

Tendo isso em mente, eu resolvi dar um voto de confiança para o que eu tinha no meu ‘quintal’: a Dafra Horizon 150 (a pronúncia correta é ‘oráizon’). O que me restava de opção era a Chopper Road 150 e outras customs de maior cilindrada que eu não podia pagar (e certamente, desnecessárias). Eu me lembro de ter feito uma crítica sobre o design da Horizon aqui, o qual todo mundo sabe é francamente uma cópia da Harley Davidson 883 Sportster. Mas o fato é que ela é fabricada pela montadora chinesa Zongshen, a mesma que produziu a (Kasinski) Mirage 150, moto que marcou o mundo custom. A Horizon 150 é vendida em vários países com nomes diferentes, mas sempre com a tecnologia Zongshen.

Outra coisa que me desagradava na Horizon é sua complexidade: do retrovisor às rodas, ela não é uma moto com o acesso tão livre como a Intruder 125. Para ficar apenas nesses exemplos: já na ignição, se você estiver com a mão direita ocupada ou usando o freio manual, você vai ter que torcer o seu corpo para usar a mão esquerda para girar a chave, que fica na lateral direita da moto, à frente do tanque (se bem que, se fosse mais acima, não seria tão ruim). Seu velocímetro (ponteiro), marcador de combustível e hodômetro são digitais; não há contagiros; e os freios, ambos a disco, estão interligados por um sistema de frenagem ‘inteligente’, que reduz a velocidade progressiva e simultamente em cada roda (tecnologia a partir das motos modelo 2019). A famigerada válvula Pair está localizada numa posição parafusada junto à tampa lateral direita do motor, atrapalhando o acesso ao carburador. O chassi possui um desenho confuso assim como a sua conexão com as demais peças, de modo que pode-se gerar confusão sobre o que é um e outro.


Dafra Horizon 150: Atualmente, o modelo custom de baixa cilindrada com o design mais atraente, inspirado em motos de marcas consagradas.

Essa válvula Pair, pelo menos, injeta o ar fresco no coletor do carburador, ao contrário da Intruder, na qual essa conexão se fazia no cabeçote. E não dá para fazer coisas simples como remover as tampas laterais, sacar a vela ou mesmo ver o nível de óleo, por exemplo, sem esbarrar ou esgarranchar numa outra peça. 

No meu caso, no que tange à dirigibilidade, não tenho nenhuma ressalva. Ela é macia, seu motor é silencioso, seu ronco impõe respeito para uma baixa cilindrada. O guidon estilo ‘seca sovaco’ não só tem boa estética, como facilita a dirigibilidade. Além disso, é uma moto estável, seja porque seu centro de gravidade é mais baixo e estabilizado pela sua largura, seja pela rodagem mais larga, que garante uma boa área de contato com o chão. Os pneus, aliás, são sem câmara, o que ajuda muito na hora dos furos e reparo, podendo ser feito pelo próprio piloto em posse de ferramentas próprias fáceis de adquirir e usar.

O acesso aos parafusos do carburador é comprometido pelo mal posicionamento de algumas peças.

O painel inteiramente digital se mostra eficiente. O hodômetro total/parcial se revezam através de um botão atrás do painel, que acusa também o momento de manutenção e recarga/troca de bateria.

Chave de ignição na lateral: charmoso, mas pouco prático.

Filtro de gasolina antes do carburador (detalhe para as mangueiras que vedam completamente o acesso ao mesmo).

Freio a disco na roda traseira (finalmente!) opera em conjunto com o freio dianteiro.

Motor 150cc, 12,8 cv.

Pedaleira em ambos os lados: conforto e apoio extra na hora de acionar os comandos.

Assim começa-se a ver os pontos positivos da moto, que parece superar de longe suas falhas: ainda é uma moto carburada, possui 1,8 cavalos a mais do que a Intruder, que rendem mais sem a válvula Pair e instalação de uma bolha; tanque de combustível de 13 L (contra 10 L da Intruder); possui uma ciclística francamente custom/ chopper, assim como a distância entre eixo condizentes; e rodas mais favoráveis ao avanço contra o vento. Ao contrário de sua antecessora Kansas 150, ela é uma moto mais robusta, que pouca diferença têm em relação à sua versão 250 (já fora de linha). E o melhor disso tudo é que ela pesa somente 130 kg, contra 113 da Intruder, ou seja, a relação peso/potência é mais favorável.




Comparativo entre a Intruder 125 customizada e a Horizon 150: Praticamente, não são necessárias mudanças para tornar a Horizon uma custom chopper de fato.


E como não poderia deixar de ser, eu tinha que dar meu toque pessoal à moto. Transferi o amortecedor custom, mas tive que usar alongadores de amortecedor para que a roda não batesse no páralamas em buracos e pistas acidentadas. Já a bolha não deu para reutilizar, pois a robustez da Horizon a deixou minúscula e ineficaz, exigindo uma maior.

O melhor está sendo descobrir a compatibilidade de peças da Intruder/ Kasinski Mirage 150/ Kansas: os piscas são os mesmos da Intruder, assim como a vela; o escapamento é o mesmo da Mirage. As chaves de roda e regulagem da corrente também são as mesmas da Intruder, assim como a relação (15x43)... Aos poucos vou descobrindo que a Zongshen pareceu ter juntado o melhor das motos do segmento custom, o que facilita na hora da necessidade de peças.

Outro detalhe importante é que o motor, segundo tenho ouvido inclusive de mecânicos, tem suas peças internas compatíveis com a Honda CG 150. Parece que a Horizon não vai sofrer por falta de peças de reposição.

Por conseguinte, aproveitei e transferi minha vela Iridium IX para a Horizon. Após rodar um pouco, saquei-a para checar a condição da mistura, que para meu espanto estava pobre. Então fui para o carburador, um PZ25, muito semelhante ao VM22 da intruder no qual descobri mais compatibilidades: o cilindro do pistonete, e possivelmente, o cabo do acelerador. Mais ainda: a agulha é a mesma da Intruder, com um porém: só tem um nível de regulagem. Então peguei uma agulha extra que tinha (Intruder) e subi um pouco a agulha, para equilibrar a mistura. 


Agulha da Horizon: só um ponto de regulagem...

Consequência: mistura pobre - explica-se: com o furo da caixa de ar com 4mm de diâmetro e filtro de papel, a caixa de ar tem desempenho 'esportivo'.

Melhoras na mistura após substituição pela agulha da Intruder (vela Iridium).

Para que a troca de agulhas realmente surtisse efeito, eu precisei tirar 2mm da agulha da Intruder, que apesar de igual no desenho, é mais longa. A melhora foi significativa, a leitura da vela depois mostrou uma cor acinzentada/ marrom, quer dizer, adequada. Eu acredito que muitos motores de Horizons foram sacrificados por essa agulha de fábrica sem regulagem. Quando se anda muito tempo com mistura pobre, que parece ser a tendência da carburação de fábrica, a consequência é o superaquecimento e a pré-ignição, que levam à fundição do motor, à batida de pino e quebra do motor. Ajustar a mistura é tão vital para o motor quanto a troca periódica de óleo.

Mas além de beleza, a Horizon possui o que eu buscava? Peguei a rodovia e rodei suave, afinal, a moto estava só com 20km. Não foi necessário chegar ao fim do curso do acelerador para atingir 100-110km/h, mesmo em subidas e contra o vento, ao contrário do que acontecia com a Intruder. A moto proporcionou ultrapassagens seguras sem esforço, e para minha surpresa, chegou naturalmente a 125km/h na descida, com folga no manete.

É isso. Por mais que me agradasse, a Intruder não podia me oferecer isso sem 12.000 rotações/min.(limite). São 200 giros por segundo! Eu não sou do tipo que viaja a 100km/h, eu quero tudo o que moto pode dar. Por isso resolvi abrir mão da Intruder, antes que eu lhe provocasse um dano grave no motor, o que por sua vez poderia me causar um dano físico também ainda pior.

O chato de tudo isso é que vou suspender minhas invencionices (?), e deixar de fazer da moto meu laboratório de testes para aumentar o desempenho. Por se tratar de uma moto da Dafra, uma marca que ainda está se consolidando, eu não posso prescindir da garantia, e também, como eu disse, a moto dá o que eu quero, então não tenho razões para virá-la do avesso.  

Mas antes de pensar nessas coisas, tive um grande susto.

Com aproximadamente 60km rodados, 5 dias após a compra, a minha Horizon apresentou óleo na parte frontal do bloco do motor (alguns chamam de ‘cilindro’). A princípio, pensei que se tratava de um vazamento de junta, de qualquer modo, eu precisava acionar a garantia. Uma vez na concessionária, o mecânico constatou que o óleo estava vazando na verdade por um furo minúsculo no bloco. Como não dispunham da peça in loco, esperei 9 dias para a sua substituição.

Enquanto esperava, cogitei em desistir da compra, mas fui persuadido que tais defeitos de fabricação eram comuns mesmo em marcas 'de nome'... e é verdade. Lembrei-me então de um primo que havia comprado uma Honda CB300 nova, e que rachou o cabeçote no buraco da vela. Ele fez o mesmo procedimento, acionou a garantia, e trocaram a peça. Então, entrei em contato com ele e perguntei como ficou a moto depois, ele disse que nunca mais apresentou problemas.

Isso acontece com tal ou qual marca não porque uma é inferior à outra (pelo menos as marcas asiáticas), o que acontece é que os padrões de qualidade na produção não são tão rigorosamente observados como no passado.

O fato é que estou satisfeito com a moto, quase chegando à revisão de 1.000 km, não sinto que algo mais possa ocorrer. Já até isolei a válvula Pair, nem tanto visando aumento de potência, mas para liberar espaço para trabalhar no carburador, quando necessário. Mas de fato a moto mostrou um desempenho melhor sem o dispositivo. Agora falta o pessoal da concessionária autorizar a retirada sem a perda da garantia.

Mas a minha Horizon 'Darth Vader' só me fez relembrar algo que eu sempre soube: não vivemos em tempos de certeza. Vivemos numa época de aprender a lidar com as falhas.

(O blog é sobre moto, mas dane-se, vou falar porque batizei a minha Horizon de Darth Vader: primeiro porque ela é preta brilhante, depois porque eu acho Darth Vader o vilão mais injustiçado da ficção: o seu poder ímpar vinha sendo acompanhado pelo ‘lado negro da força’ que o queria do seu lado, e se aproveitaram de sua instabilidade emocional pela morte de sua mãe/ esposa para leva-lo a cometer seus primeiros crimes como jedi. Obi Wan Kenobi, seu mestre, tinha por obrigação detê-lo e leva-lo para um julgamento e punição adequados, e não desmembrá-lo e deixá-lo queimando vivo. Penso que o próprio Obi Wan estava sob influência do lado negro nesse momento, pois, por mais que Anakin tenha feito coisas imperdoáveis, seu mestre deveria estar num grau de evolução mais apto a resgatá-lo e retificá-lo ao invés de simplesmente tentar assassiná-lo. Quando Darth Vader ‘nasceu’, eu achei muito bem feito).

E quem dera se eu pudesse ter uma Intruder com as especificações da Horizon. Eu havia comprado a Intruder ‘para casar’, e mesmo abrindo mão dela, eu lhe devo tudo o que sou hoje como biker.

Adeus, minha Panzerkampfwagen. Você me emprestou suas rodas, eu lhe dei meu espírito. De certa forma, vamos continuar sempre juntos nas forças de aceleração que criamos e continua viajando sem fim.