Recentemente, tem surgido na
internet vídeos sobre o uso experimental de carbureto em veículos, incluindo
motos. Mas o que seria o carbureto, e como ele poderia ser usado como
substituto dos combustíveis tradicionais?
Pedras de Carbureto de Cálcio.
O carbureto, mais conhecido
como ‘hulha’, ‘carvão de pedra’, carbeto ou carboneto, de fórmula química CaC2,
é uma matéria abundante na natureza, mas em seu estado natural, pedregoso, não
pode ser usado em veículos comuns. Na verdade, ele é a matéria-prima para o
Acetileno, produto de sua reação com a água, gás popularmente conhecido pelo
seu uso em soldas de alta temperatura (em torno de 3.500°C).
Solda de Acetileno (Química Ensinada).
Numa escala menor, as pedras
de Carbureto são inseridas em dispositivos popularmente conhecidos como ‘carbureteiras’,
onde acontece a reação química cujo produto é o Acetileno, expressa na seguinte
fórmula:
CaC2 +H2O > Ca(OH)2 +
C2H2
Através desse processo, com
1Kg de CaC2 é possível produzir 250 a 280 Litros de C2H2. Mas como um gás usado em
soldas poderia mover uma motocicleta, por exemplo? Quais as suas vantagens (e
desvantagens) em relação aos combustíveis comuns?
A popular 'Carbureteira' (Loja do Mecânico).
O Acetileno, de fórmula C2H2,
é um hidrocarboneto, como a Gasolina, da família dos Alcinos. Sua principal
característica é seu alto poder detonante, inclusive em contato com o ar, e
instabilidade, com temperatura crítica de 36,3°C e autocombustão a 305°C, não
podendo ser utilizado a pressões superiores a 2 Atmosferas, daí sendo comumente
armazenado em cilindros de aço dissolvido em Acetona líquida, sob pressão de 20
atmosferas e temperaturas de 21°C.
Cilindro com Acetileno (Dreamstime).
O seu alto poder de ignição
e liberação de energia na forma de chama tornou-o perfeito para o uso
metalúrgico pesado, combinado com o Oxigênio (O2). E é exatamente isso o que
tem voltado olhares para sua aplicação em motores.
Aqui vale chamar a atenção
para um detalhe: na solda, o acetileno
atinge altíssimas temperaturas devido à sua combinação com O2 comprimido, o
qual dá a intensidade cortante da chama. Num motor, o Acetileno seria pulverizado
como um combustível comum na mistura junto de uma quantidade de ar com
quantidade bem menor e com pressão bem inferior ao que ocorre na solda.
Portanto, o Acetileno não vai ‘derreter’ o motor, como muitos pensam.
As temperaturas capazes de cortar qualquer metal na solda de Acetileno só são possíveis graças ao o uso combinado com Oxigênio pressurizado (cilindro preto).
O Acetileno é ainda conhecido através de outra utilização mais singela, a 'Lanterna de Carbureto' usada nas jazidas de mineração. O seu princípio de funcionamento é simples: a lanterna consiste em dois recipientes distintos e destacáveis: no inferior, coloca-se as pedras de carbureto, na parte superior, se coloca a água, que é regulada para cair num fluxo constante sobre as pedras gerando o Acetileno, que sai pelo bico em uma campânula espelhada, onde é acendida queimando com intensidade regulável através da passagem de água para o recipiente inferior.
Lanterna de Carbureto: seu funcionamento simples revela uma fonte de combustível que pode ser aplicável em veículos. (Mercado Livre)
A reação de combustão do
Acetileno, que pode ser expressada na fórmula C2H2(g) + 5/2O2(g) > 2CO2(g) +
H2O(g) ΔH, é uma reação exotérmica (ΔH), quer dizer, que gera energia. Assim, a
queima de 1Kg de C2H2 produz 9.800 kcal (quilocalorias) ou 30.342.368 de Joules
(grandezas para medida de energia). Apesar de extremamente energético em
relação aos demais combustíveis convencionais, O Acetileno ainda é menos
calorífero do que a Gasolina, que apresenta 10.400 Kcal/Kg, ou 31.329.792
Joules. Então, o que torna o Acetileno convidativo?
A resposta depende de alguns
conceitos e cálculos químicos básicos: A massa molar e a Densidade.
A massa molar é o ‘peso
mínimo’ de cada substância, expresso em gramas ou simplesmente a palavra ‘mol’.
Já a Densidade é a relação
entre o peso e o volume de uma substância, quer dizer, quanto peso determinado
líquido ou substância possui e vice-versa.
Assim, sabe-se que o
Acetileno possui 1.368.000 J/mol, e a Gasolina 5.471.000 J/mol, e Massas
molares respectivamente: 26g e 114,23g.
Nota-se a Gasolina é mais calorífica, quer dizer, libera mais energia com sua
queima completa. Tais dados nos levam ao seguinte:
Acetileno= 26 g - 1.368.000
J
1g – x=52.615,38 J
Gasolina= 114,23 g -
5.471.000 J
1g – x=47.894,59 J
Sabe-se
agora a energia que cada grama de Acetileno e de Gasolina libera. Mas a
capacidade dos motores é medida em volume e não em peso, no caso centímetros
cúbicos (cm3, cc ou mililitros/mL). Para descobrir o valor energético de cada
mL das substâncias, utilizamos a equação da Densidade: D=m (massa)/ V (volume).
Uma vez que já conhecemos a Densidade dos dois combustíveis:
D
Acetileno=m/V > V=1g/0,0011g/cm3 > 909cm3 (mL)
D
Gasolina=1g/0,74g/cm3> 1,35cm3 (mL)
De posse dessas informações,
é possível ainda conhecer o poder calorífero de ambas as substâncias por
mililitros (lembrando que 1000mL= 1L):
Multiplicando a quantidade
de Joules pelo Volume de cada substância
(909 mL e 1,35 mL), que corresponde a um grama, chegamos aos seguintes valores:
1g C2H2 = 47.827.380,42 J/ mL, e
1g C8H18=
7.385.850 J/mL.
O Acetileno libera 647,55
vezes mais energia do que a combustão da mesma quantidade de gasolina. Mas como
se deu essa virada tão brusca de valores, sendo que o poder calorífico do C2H2
é menor?
Exatamente devido à Densidade. O acetileno, enquanto gás de baixíssima densidade, pode ocupar um
maior volume em relação à gasolina, que apresenta densidade maior e está no
estado líquido. Na prática a baixa densidade do Acetileno acaba
contrabalanceando sua energia menor.
Com a energia da Gasolina e
do Acetileno expressa em Joules e
quantificadas em mL, é possível fazer uma comparação de desempenho dos dois
combustíveis, tendo como ponto de partida o motor 125 cm3 (mL) da Suzuki
Intruder 125:
Se a energia de 1 L de Gasolina (7.385.850.000 J) é capaz de
gerar um rendimento de 31 Km, 1 L de Acetileno (47.827.380.420 J) gerariam= 200,74 Km.
E é possível estimar ainda a
potência de um motor de 125cc, como o da Intruder, se hipoteticamente fosse movida a Acetileno:
125mL C2H2= 5.978.422.552,5
Joules / 125mL C8H18= 923.231.250 Joules
Se 923.231.250 J geram 11cv
no motor da Intruder, 5.978.422.552,5 J gerariam= 71,23cv.
Por fim, qual seria a
cilindrada de um motor com 15 cavalos movido a Acetileno?
125cc – 71,23cv
X -
15cv= 26.32cc.
Um motor com esse volume nem
poderia ser classificado como motocicleta, seria uma motoneta. Mas a partir de
51cc, oficialmente ela poderia ser considera uma motocicleta, desenvolvendo
fabulosos 29,06cv.
E a pergunta inevitável:
qual seria a velocidade máxima com essa potência? Vamos utilizar mais
uma vez a regra de três com base nos valores da Intruder 125:
11cv Intruder – 120Km/h
(velocímetro)
29,06cv - x=
317.01Km/h
Está demonstrada assim a
viabilidade energética do Acetileno, mas e o lado financeiro?
Um quilo de Carbureto, a matéria-prima
do Acetileno, é vendido na faixa de R$45,00, enquanto que um gerador de
Acetileno com capacidade de 1 kg está entre R$600-700. Considerando a Gasolina
num valor médio de R$4,18 (26/09/2017), comparemos com o preço do Acetileno
baseado apenas no custo de sua matéria-prima, considerando que já existe um
gerador e cilindro adequados para sua produção e acondicionamento:
1kg de CaC2 = 291,5L de C2H2
(média)
Se 1kg CaC2= R$45,00, é correto afirmar que 291,5L C2H2 também custa pelo menos R$45,00 (naturalmente, outros custos envolvidos na produção serão agregados ao preço). Então, se 291,5L/C2H2/ R$45, 1/L de Acetileno= R$0,15. Vale lembrar que 1 Litro de Acetileno, de qualquer modo, não é só mais barato (R$ 0,15/L), como tem maior autonomia (cerca de 200km/L), contra 31km/L a R$4,18/L da Gasolina, e que os cilindros nesse caso não seriam recarregados em casa, devido aos riscos oferecidos na manipulação do C2H2. O cálculo a partir de um gerador de Acetileno caseiro foi apenas para mostrar o quão baixo é o custo de produção desse combustível.
Vê-se que o Acetileno não
apenas gera mais energia, como também é mais barato. Se a sua produção
doméstica é viável, tanto maior seria em larga escala, o que tornaria a comercialização de cilindros de 1L, por exemplo, muito mais em conta do que um litro de gasolina com uma autonomia várias vezes superior. Para minimizar os riscos durante o manuseio do Acetileno, as motocicletas deveriam sair de fábrica com um sistema de substituição dos cilindros fácil e seguro, além de disponibilizar estações de compra e recarga, e manutenção de cilindros.
O Acetileno supera a
gasolina também na questão ambiental, gerando menos resíduos agressivos, salvo
um marcante cheiro semelhante ao do alho.
As motos e carros comuns
poderiam ser convertidos para rodar com Acetileno? Talvez. O maior obstáculo é
oferecer acondicionamento seguro para os cilindros do gás e substituir as
partes de cobre do motor, metal em cuja presença o Acetileno reage gerando
explosão.
Muitos podem questionar: 'mas a octanagem do Acetileno é baixa, não serviria para um motor a explosão'. A questão é que o que faz um motor trabalhar é a explosão, e a octanagem não faz isso, ela apenas a retarda no combustível, o qual possui o chamado 'poder calorífico', o qual quanto mais elevado, mais energia vai gerar com a ignição. Tudo depende de o motor ser projetado para tal e qual particularidade de queima de um combustível.
Muitos podem questionar: 'mas a octanagem do Acetileno é baixa, não serviria para um motor a explosão'. A questão é que o que faz um motor trabalhar é a explosão, e a octanagem não faz isso, ela apenas a retarda no combustível, o qual possui o chamado 'poder calorífico', o qual quanto mais elevado, mais energia vai gerar com a ignição. Tudo depende de o motor ser projetado para tal e qual particularidade de queima de um combustível.
Finalmente, o Acetileno
jamais deve ser utilizado num motor à gasolina/flex convencionais, mesmo que mistura, devido à já
comentada reação com o cobre. De qualquer forma, isso só seria possível se o
Acetileno estivesse dissolvido em outro líquido, já que em seu estado líquido
ele está em temperaturas sub-zero, o que causaria problemas na carburação/ ignição.
E foi pensando nisso que resolvi esboçar uma
motocicleta movida a acetileno. Aproveitei e desenhei um motor com sistema de
transmissão inédito, a fim de aproveitar o máximo possível a força motriz,
eliminando várias peças móveis do motor que dissipam a energia gerada sobre o
pistão e aumentam o risco de danos pelo desgaste – um modelo que aliás ficaria
bem em qualquer combustível.
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