quarta-feira, 4 de julho de 2018

MARCHA LENTA: COMO RESOLVER

Minha ‘Panzerkampfwagen’ atualizada, 13,5 cv.

A marcha lenta é um mecanismo vital no motor dos veículos, especialmente nas motos. Constituída, a princípio, a partir de uma série de tubos e furos dentro do carburador, sem ela seria necessário dar partida no motor a cada parada numa faixa de pedestre, num semáforo ou mesmo durante uma redução de marcha.

Quando digo que ela é crucial para motociclistas é que estes são estruturalmente os mais vulneráveis no trânsito, de modo que uma parada súbita em função da marcha lenta pode acarretar um grande perigo.

Mas o que seria capaz de atrapalhar o funcionamento da marcha lenta?

Primeiro se faz necessário entender que, embora se origine no carburador, a marcha lenta só se consuma com o processo de ignição. Quando ele acontece, a pressão negativa, ou vácuo gerado pela queima da mistura/ exaustão dá ‘vida’ ao carburador, sugando gasolina e ar através de seus dutos e giclês funcionando em sinergia. Assim, existe uma parte do carburador que continua funcionando independentemente da aceleração do motor, injetando continuamente uma porção de mistura mantendo o processo de combustão mesmo em ausência de marcha.

Acontece que o carburador está no meio de um circuito onde muitas variáveis podem conspirar para o seu funcionamento incorreto. Vamos enumerar (sem exaurir todas as possibilidades) as possíveis falhas que podem prejudicar a marcha lenta, a partir da parte mais remota do circuito de combustão:

Caixa de ar

1 – CAIXA DE AR: no caso das Intruders clássicas, que ainda utilizam este aparato onde ar fresco é armazenado para ser sugado pelo motor, a presença de qualquer corpo estranho como água, poeira, óleo (advindo do suspiro do motor quando se põe óleo em excesso no cárter) além de obstruir a passagem de ar para o tubo condutor, pode acabar chegando através deste até o carburador, especialmente nos furos que ficam embaixo e à direita no caso do carburador Mikuni VM22. Esses furos na verdade são dutos conectados ao giclê de marcha lenta e parafuso de ar, de modo que qualquer obstrução seguramente prejudicará o perfeito funcionamento da marcha lenta.


2 - FILTRO DE AR SUJO: quando muito tempo sem manutenção, ao invés de filtrar o ar, o filtro pode acabar se transformando numa barreira ao fluxo de ar. Em altas rotações, eventualmente o motor conseguirá funcionar pois gerará vácuo forte o suficiente para constituir a mistura (que será rica, devido à deficiência de ar), mas em baixas rotações e na marcha lenta, um filtro muito sujo acabará levando à sua falha. Um filtro mal colocado também gerará uma obstrução que prejudicará mesmo o funcionamento normal da moto.


3 - CONDUTOR DE AR: novamente, um caso típico de Intruders clássicas, qualquer deformidade ou estrangulamento dessa peça de borracha que liga a caixa de ar ao carburador poderá afetar o influxo de ar para a marcha lenta, sem falar que sua conexão incorreta pode obstruir os furos dos dutos que integram o circuito da marcha lenta no carburador.

Carburador Mikuni VM22

4 - CARBURADOR SUJO: Esta é a fonte mais comum do problema, seja por uma gasolina suja, seja por um carburador muito tempo sem manutenção. O que ocorre é a obstrução dos dutos e giclês, prejudicando a pulverização de ar/gasolina. Nesse caso, mesmo as altas rotações costumam apresentar problemas.
5 - CARBURADOR DESREGULADO: muitas vezes, o problema de uma marcha lenta oscilante ou falha está na posição dos parafusos de ar/ mistura do carburador. Situados respectivamente à direita e abaixo do carburador, não existe uma quantidade de voltas exatas para uma marcha lenta bem afinada, embora existam médias facilmente encontradas na internet para cada carburador, já que cada fabricante, embora faça um mesmo modelo de carburador, tende a alterar um detalhe ou outro, sem falar na particularidade de cada moto introduzidas ou não pelo proprietário. Por isso prefiro afinar literalmente a marcha lenta de ouvido, vou abrindo lentamente o parafuso de mistura até sentir que o funcionamento do motor está um tanto acelerado e estável, em seguida, faço o mesmo procedimento com o parafuso de ar, acertando a quantidade de rpms da marcha lenta (eu costumo deixar em 1.300-1.400 rpm). Vale lembrar que a regulagem da moto deve ser feita com o motor quente e com o farol ligado.

A marca indica o ponto em que o difusor foi deformado (Fonte: Suzuki Online)

6 - DIFUSOR OVALADO: o Difusor, às vezes conhecido erroneamente como ‘venturi’, é uma peça de bronze encaixada na carcaça do carburador acima da flauta, por onde a agulha inicia seu trajeto. Em algumas motos, cuja agulha do carburador está ligeiramente deslocada em relação à peça, com o passar do tempo, o movimento da agulha encostando na borda do difusor acaba deformando seu formato redondo, tornando-se mais aberto,  com o formato ovalado. O resultado é que quando o cilindro do pistonete desce completamente, não se dá o fechamento do combustível que sai do giclê principal, ocorrendo uma fuga de gasolina pelo Difusor que acaba por afogar a marcha lenta. É um problema de difícil detecção, mas que pode ser solucionado com a troca da peça e correção/ substituição da agulha/ pistonete.

Em vermelho, mostra o formado da borboleta desgastada.

7 - BORBOLETA OVALADA: em modelos de carburador em que se utilizada borboletas para controle da entrada do ar e/ou fluxo de mistura, também com o passar do tempo pode acontecer de a borboleta do carburador perder seu formado redondo em função da passagem constante do ar em alta velocidade, assumindo um formado oval pelo desgaste. Ocorre então algo semelhante ao Difusor ovalado: mesmo fechada, a borboleta não obstrui totalmente o ar ou a mistura, que escapam para o coletor comprometendo o funcionamento da marcha lenta. Também pode ser resolvido com a substituição da peça, e é mais fácil de descobrir. Algumas vezes, em carburadores mais velhos, a passagem do ar pode provocar mesmo o alargamento do venturi do carburador, o estreitamente que existe em sua carcaça responsável por impelir a mistura com mais velocidade rumo ao motor.



8 - COLETOR: responsável pela conexão entre o carburador e o bloco do motor, é o segundo responsável por falhas na marcha lenta. Como o motor opera em condição de vácuo, qualquer passagem de ar interfere no funcionamento correto do motor, especialmente a marcha lenta. A isso se dá o nome de ‘falsa entrada de ar’, e pode ocorrer, via de regra, pelo encaixe imperfeito das juntas do coletor, o que é provocado por reparos desgastados, folga em seus parafusos, ou mesmo danos no mesmo, ensejando a entrada de ar numa parte do motor onde deve prevalecer o vácuo. Além de problemas na marcha lenta, a falsa entrada de ar pode gerar também aumento do consumo e perda de potência da moto.
Um modo prático de se detectar uma falsa entrada de ar é borrifar óleo WD-40 ou similar em abundância no motor a partir do carburador, com a moto ligada. Se a aceleração aumentar, então há alguma passagem de ar no coletor ou mesmo no motor (para descobrir onde, é só observar onde o óleo é sugado, ou espirrado).


9 - VÁLVULAS: Além da sincronia perfeita, a vedação completa feita pelo trabalho das válvulas é crucial para o funcionamento do motor. Quando a válvula está ‘presa’, quebrada, ou furada, ou as borrachas de seu reparo deterioradas, embora estejam trabalhando no ritmo certo, o funcionamento do motor fica comprometido pela entrada indevida de mistura ou saída de gases pelas frestas das válvulas. Pode ser que a disfunção nas válvulas estejam em outras peças correlatas dentro do cabeçote.



10 - VELA: à medida em que o eletrodo central vai se desgastando, nas velas convencionais (eu utilizo velas com eletrodo de Irídio, mais duráveis e com maior poder de queima), a sua capacidade de queimar a mistura vai ficando reduzido. Se a vela não for trocada no tempo certo, começam a ocorrer falhas no processo de combustão, principalmente durante a marcha lenta, quando o ritmo de cintilação é menor, daí ocorrerem mais falhas.

Em amarelo, a junta do pistão, em vermelho, a marca da fuga de compressão.

11 - JUNTAS DO PISTÃO: um problema mais raro, acontece quando as juntas que guarnecem o pistão no bloco se deformam, ocasionando perda de compressão, afetando a marcha lenta e o desempenho da moto. Em geral, isso acontece quando o motor se aquece continuamente acima de sua temperatura de trabalho, o que por sua vez pode ser gerado por excesso de ar no motor, o que acontece com o uso de filtros esportivos, turbinas e outros métodos utilizados para ampliar a respiração do motor acima das especificações originais. Em casos extremos, o ar forçado no motor pode vir a furar o pistão, comprometendo-o totalmente. O problema algumas vezes podem vir de fábrica, como já aconteceu com uma série de motocicletas de uma marca popular no Brasil.


Pistão e camisa arranhados.

12 - CAMISA/ PISTÃO ARRANHADOS: além de representar uma ameaça ao motor, com fugas de óleo para a câmara de combustão e contaminação do óleo no cárter, sem falar na perda de desempenho, a presença de riscos nessas peças impede que motor trabalhe sem fugas ou vazões, daí a instabilidade na marcha lenta surgir como um sintoma. Vale fazer aqui uma comparação com uma seringa: imaginem o seu êmbolo de borracha com rachaduras, então quando for feita a sucção, esta ocorrerá com falhas devido à passagem de ar pelas brechas - no motor, o que acontece, além da vazão de óleo e mistura, é a perda de compressão e marcha lenta.

As setas vermelhas indicam os furos do suspiro da tampa do tanque da Intruder 125.

13 - SUSPIRO DA TAMPA DO TANQUE DE COMBUSTÍVEL OBSTRUÍDO: Parece algo descabido, mas que faz todo sentido quando lembramos que o motor trabalha gerando uma pressão negativa que põe em funcionamento todos os demais sistemas que o assistem. Os suspiros na tampa do tanque existem não apenas para dar vazão aos gases que são gerados dentro do tanque, como permitem também que o combustível flua livremente para o carburador. O fenômeno físico por trás deste problema é o mesmo do funcionamento do instrumento de laboratório chamado ‘pipeta’, usado para transferir líquidos entre recipientes. Ao ser mergulhado num líquido, a pipeta, um simples tubo de vidro com a ponta afilada, é preenchida, quando então tem sua outra extremidade fechada, podendo assim transportar o líquido sem que ele se derrame até o seu destino, quando é liberado pela simples desobstrução de sua extremidade superior.

O mesmo vale para a alimentação de combustível das motos através do tanque/ gravidade. No caso de motores mais possantes, como o de caminhões, suspiros obstruídos podem levar à implosão do tanque. No caso da moto, cujo motor em geral não é forte o suficiente para deformar o tanque, ele transfere o problema para o funcionamento do motor, que começa a falhar pela deficiência de combustível na cuba, mais sentida pela marcha lenta.

14 - TORNEIRA/ FILTRO DE COMBUSTÍVEL: ambos seguem a mesma lógica do tópico anterior, obstruções que prejudicam o livre fluxo de combustível rumo ao carburador. O que ocorre em ambos os casos é o acúmulo de sujeira nos respectivos elementos filtrantes, restringindo a passagem de combustível.


Talvez eu não esgotado todos os problemas que podem afetar a marcha lenta, mas os listei os principais, e mesmo alguns inusitados, porém reais.

Vale ressaltar que nem sempre o problema da falha da marcha lenta é detectado de primeira. No meu caso, eu fui descartando as variáveis da caixa de ar até finalmente chegar no motor, descobrindo a razão do problema somente no instante em que o motor foi aberto e descobriu-se o escape de compressão através da junta superior do pistão (ver foto em ‘JUNTAS DO PISTÃO).

Foi um exemplo de problema de marcha lenta de difícil detecção, que demandou muita paciência, observação, e tempo (foi cerca de um mês de trabalho pessoal e idas e vindas a oficinas). Como eu já disse, descartei o óbvio até não sobrar mais nada além do motor. Minhas suspeitas se confirmaram quando, enquanto eu tentava pessoalmente solucionar o problema, eu percebia que após desligar o motor este fazia um barulho, ‘Tischhh!’, próximo ao motor de arranque, exatamente onde foi constatada fuga de compressão pela deformidade da junta.

Um mecânico habilidoso poderá descortinar mesmo um problema dessa profundidade em pouco tempo, mas vale lembrar que, de qualquer modo, é preciso descartar as variáveis mais simples, e isso demandam um certo tempo, o que torna tudo um problema desgastante, tanto para o piloto quanto para o mecânico. Mas nada que um pouco de paciência não resolva, afinal, problemas acontecem com qualquer um, e se têm esse nome, é porque sempre possuem solução.


Nenhum comentário:

Postar um comentário