Quem nunca viu uma metralhadora giratória de seis canos em
filmes como “O Exterminador do Futuro”, “O Predador”, “Velozes e Furiosos 7”?
E quem nunca viu o motor circular de pequenos e médios
aviões, sobretudo voltando no tempo até a 2ª Guerra Mundial?
Calma, o blog ainda é voltado para motos, em especial a
Intruder 125cc. Mas metralhadoras, aviões e motos tem mais coisas em comum do
que pode parecer.
Como todos sabem, a Intruder 125cc e a maioria das motos,
inclusive de grande cilindrada, são monocilíndricas, quer dizer, seu motor
funciona graças ao movimento de um único pistão no motor.
No caso das motos de baixa cilindrada, a refrigeração desses
motores se dá pela ação do ar que refrigera o bloco com o movimento da moto
contra o ar, o qual penetra nas frestas e remove calor do motor. Nas grandes,
geralmente a partir de 250cc, é utilizado um radiador para refrigeração à água, como em um carro.
Pessoalmente, eu sempre vi uma deficiência no sistema
monocilíndrico a ar. Embora amplamente utilizado na indústria de motos e demonstre
eficiência, o aquecimento do motor não raro chega a um nível crítico (é por isso que não põem medidor de temperatur em motos), no qual o
superaquecimento não só promove o desgaste das peças, como reduz a vida útil do
motor e pode mesmo levá-lo a “fundir” – sem falar que pode eventualmente causar
queimaduras de 3º grau nos condutores.
É nesse ponto onde moto, aviões e metralhadoras tem um ponto
em comum.
UM HOMEM DE PROEZAS
O italiano Alessandro Ambrogio Anzani (1877-1956) foi um projetista
italiano que se tornou conhecido pelos motores que inventou para as motos com
as quais fez grandes feitos.
O seu motor mais conhecido, o Anzani 3 cilindros,
produzido entre 1905 e 1915, tornou Anzani conhecido com o desenho de três
cabeçotes dispostos em leque (chamados semi-radiais), cada um dotado de 3
cilindros.
Alessandro Anzani e uma bicicleta equipada com motor radial de 3.000cc.
Seu sucesso na construção de motocicletas potentes (em geral
com 3.000cc), foi seguido pela adaptação dos seus motores, que apesar de tudo
eram leves, para a aviação (já que um avião deve ser o menos pesado possível).
Assim, o Anzani Blériot XI de 1909 é considerado o mais
antigo motor aeronáutico.
A partir de 1910, começaram a ser produzidos motores com 5
ou mais cilindros para aviação, ganhando finalmente a configuração circular.
O motor radial numa aeronave, além da leveza, tinha várias
vantagens: grande potência, temperatura estável, e a garantia de que o motor
não falharia com as manobras bruscas e nas várias posições do avião em voo
(sempre um pistão estaria mantendo o motor em movimento, não importa a sua posição).
O aperfeiçoamento continuou até o pós-Segunda Guerra
Mundial, quando os motores Rolls-Royce
Merlin e Griffon, por exemplo, que equipavam os caças Spitfire ingleses, considerados os melhores da guerra, chegaram a
alcançar incríveis 900 km/h na década de 50, até que finalmente os motores a
jato colocaram os motores radiais em segundo plano na aeronáutica
A esta altura, os motocicletas com motores radiais caíram em
desuso, com o advento de motores em linha ou em “V”, refrigerados a ar ou água.
Porém, com o advento da customização, ou modificações cada vez mais ousadas das
motocicletas pelos seus proprietários, os motores radiais voltaram a ser
aplicados em motos, de uma forma bastante inusitada: motores de aviões
começaram a serem adaptados em motos.
A inusitada adaptação de um motor de avião em uma moto custom atualmente.
QUAL A VANTAGEM DO MOTOR RADIAL NUMA MOTO?
O que pretendo aqui não é dizer que um motor de avião deve
ser colocado numa moto, o que seria um exagero de potência e mesmo um risco à
vida do condutor, mas na minha opinião, o motor radial é mais uma das velhas
tecnologias que jamais deveriam ter caído no esquecimento, como o carburador
mecânico e o freio a tambor.
O motor radial novamente aplicado numa moto na sua posição original (voltado para a frente) - A tecnologia Anzani retorna às motos (www.moto.com.br).
É aqui que entra no assunto as metralhadoras, em especial
uma metralhadora inventada no século 19 cujo sistema e utilizado até hoje: A
metralhadora Gatling.
GATLING MACHINE GUN
Patenteada em 1862 pelo médico norteamericano Richard Jordan
Gatling para ser usada na Guerra Civil Americana, podia disparar 200 tiros por
minuto, acionados por uma manivela.
Metalhadora Gatling 1862: com seis canos girando sincronizadamente, podia disparar um grande volume de tiros, alimentada por gravidade. Foi a primeira e definitiva metralhadora (www.nps.gov)
Naquele tempo, as armas de fogo, em sua maioria ainda
carregadas pela parte da frente do cano, tinham o inconveniente de explodir
após sucessivos disparos, devido ao superaquecimento. Gatling então inventou um
sistema de canos rotativos que não só evitavam que os canos superaquecessem, como
aumentou o número de tiros que poderiam ser disparados por minuto
ininterruptamente.
O sistema Gatling atravessou o século, sendo usado na atual
M134 Minigun usada pelo Exército dos EUA, porém acionada redesenhada pela
empresa General Eletric, sendo capaz de disparar 6.000
tpm.
M134 Minigun: usa o mesmo sistema Gatling, porém elétrico (www.keyword-suggestions.com)
M197 Vulcan:
apenas 3 canos, porém a cadência de tiro continua alta (www. imfdb org)
ANZANI E GATLING EM MOTOS
Como já foi dito, a tecnologia de Anzani continua a ser usada, seja na aeronáutica seja para outros
fins, inclusive no motociclismo através da customização.
E a tecnologia Gatling simplesmente atravessou os séculos.
Como eu escrevi anteriormente, o funcionamento de um motor é comparável ao
disparo de um projétil de arma de fogo: a espoleta seria a vela de ignição; o
estojo seria o cilindro do pistão; a pólvora a mistura de ar/ combustível; e o
projétil, a energia aplicada ao virabrequim/ transmissão.
De baixo para cima: espoleta (vela), pólvora (ar/gasolina), esfera (projétil) (pistão). (www.armeriachapeco.com.br)
Considerando o cano de um arma a extensão do estojo, logo, o
equivalente da ‘camisa’ do pistão, a mesma regra vale sobre o superaquecimento:
sucessivos disparos a curtos intervalos (combustões) na câmara do pistão tendem
a ameaçar a integridade do bloco. É isso que tanto o sistema Gatling quanto os
motores semi-radiais de Anzani evitavam.
Como funciona o sistema Gatling - apenas um cano dispara por vez em rodízio (e não os seis, como muitos pensam) (www.pakistantoday com pk).
Motor radial com 9 pistões (avião) e as fases de combustão (em azul): a queima se dá em um pistão por vez (no caso, o do meio, acima). Funcionamento idêntico ao sistema Gatling (www.motorera.com).
Na verdade, após a segunda metade do século XX, motores de
motos com mais cilindros se tornaram comuns, em geral desenhados para mais potência, mas a ideia de um pistão trabalhando por vez se fazia presente, até
mesmo por uma questão de funcionalidade.
Tais motores em geral traziam de 2 a 4 pistões em linha
longitudinais (em fila) ou transversais (cruzando o chassi da moto). Nas motos custom, prevaleceram os motores com
cilindros em “V”.
Atualmente, tem sido lançadas no mercado motos com 3 pistões
em linha reta ou “atravessados”, em geral refrigerados a água. É o caso da custom Triumph Rocket 3, de 2.300cc.
Rocket III: 3 cilindros, porém em bloco, necessitando de refrigeração a água (www.taringa.net).
Em casos como esse, a
potência é uma consequência natural do uso de mais de 2 blocos. Como os blocos
são contínuos, ou seja, não há separação entre eles, o “sistema Gatling” não acontece.
Não era o que acontecia com os cabeçotes separados do motor
em leque de Anzani. Com cada um trabalhando por vez e isoladamente, a
refrigeração a ar era o suficiente para evitar o superaquecimento.
Não tenho vastos conhecimentos de Mecânica e Engenharia, mas
desenhei um modelo custom com motor semi-radial de 129cc, com 3 blocos
dispostos em leque com 43cc cada. A mecânica geral não é diferente de uma moto
tradicional, posto que o sistema de admissão/combustão/exaustão é o mesmo,
assim como a carburação e o sistema de ignição. Um projeto mais elaborado seria
caro a um Engenheiro Mecânico, algo que estou longe de ser.
Imagino que os benefícios de um projeto semelhante, porém, seriam a vida longa do
motor, o melhor desempenho a longas distâncias, e a segurança de mais de um
pistão trabalhando ao invés de apenas um, consumo dentro de um limite aceitável, dentre outros.
Pode ser que eu seja criticado por aplicar tal sistema num
motor de baixa cilindrada, mas essa é a ideia: Uma moto potente apesar de
“pequena”, durável, confiável, com custos de produção e manutenção que eu nem
ousaria dizer que são caros – hoje em dia, são incluídos tantos acessórios
e tecnologias inúteis nas motos (Pair, carburador elétrico/ a vácuo, freio a disco, etc.),
que um motor de "Anzani" 129cc com 3 cilindros não seria muito mais
dispendioso.
Batizada de “Mark – I”, em homenagem ao primeiro ‘tanque’
blindado da história, tento recuperar do ostracismo a maravilhosa tecnologia Anzani, que na
verdade nunca saiu de moda – ele está cruzando os céus até hoje, quem sabe não
volte a cruzar as estradas?
A legenda da numeração das partes da moto se encontra em
sentido horário, com algumas irregularidades que não pude evitar, e está em
português e inglês. Sugestões e comentários são bem-vindos, guardado o
respeito.
Mark-I: 129cc distribuídos num motor radial "Anzani" (Ver detalhes abaixo).
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