sexta-feira, 9 de setembro de 2016

MOTOS, METRALHADORAS E AVIÕES

Quem nunca viu uma metralhadora giratória de seis canos em filmes como “O Exterminador do Futuro”, “O Predador”, “Velozes e Furiosos 7”?

E quem nunca viu o motor circular de pequenos e médios aviões, sobretudo voltando no tempo até a 2ª Guerra Mundial?

Calma, o blog ainda é voltado para motos, em especial a Intruder 125cc. Mas metralhadoras, aviões e motos tem mais coisas em comum do que pode parecer.

Como todos sabem, a Intruder 125cc e a maioria das motos, inclusive de grande cilindrada, são monocilíndricas, quer dizer, seu motor funciona graças ao movimento de um único pistão no motor.

No caso das motos de baixa cilindrada, a refrigeração desses motores se dá pela ação do ar que refrigera o bloco com o movimento da moto contra o ar, o qual penetra nas frestas e remove calor do motor. Nas grandes, geralmente a partir de 250cc, é utilizado um radiador para refrigeração à água, como em um carro.

Pessoalmente, eu sempre vi uma deficiência no sistema monocilíndrico a ar. Embora amplamente utilizado na indústria de motos e demonstre eficiência, o aquecimento do motor não raro chega a um nível crítico (é por isso que não põem medidor de temperatur em motos), no qual o superaquecimento não só promove o desgaste das peças, como reduz a vida útil do motor e pode mesmo levá-lo a “fundir” – sem falar que pode eventualmente causar queimaduras de 3º grau nos condutores.

É nesse ponto onde moto, aviões e metralhadoras tem um ponto em comum.

UM HOMEM DE PROEZAS

O italiano Alessandro Ambrogio Anzani (1877-1956) foi um projetista italiano que se tornou conhecido pelos motores que inventou para as motos com as quais fez grandes feitos.

O seu motor mais conhecido, o Anzani 3 cilindros, produzido entre 1905 e 1915, tornou Anzani conhecido com o desenho de três cabeçotes dispostos em leque (chamados semi-radiais), cada um dotado de 3 cilindros.

Alessandro Anzani e uma bicicleta equipada com motor radial de 3.000cc.


Seu sucesso na construção de motocicletas potentes (em geral com 3.000cc), foi seguido pela adaptação dos seus motores, que apesar de tudo eram leves, para a aviação (já que um avião deve ser o menos pesado possível). Assim, o Anzani Blériot XI de 1909 é considerado o mais antigo motor aeronáutico.

A partir de 1910, começaram a ser produzidos motores com 5 ou mais cilindros para aviação, ganhando finalmente a configuração circular.
O motor radial numa aeronave, além da leveza, tinha várias vantagens: grande potência, temperatura estável, e a garantia de que o motor não falharia com as manobras bruscas e nas várias posições do avião em voo (sempre um pistão estaria mantendo o motor em movimento, não importa a sua posição).

O aperfeiçoamento continuou até o pós-Segunda Guerra Mundial, quando os motores Rolls-Royce Merlin e Griffon, por exemplo, que equipavam os caças Spitfire ingleses, considerados os melhores da guerra, chegaram a alcançar incríveis 900 km/h na década de 50, até que finalmente os motores a jato colocaram os motores radiais em segundo plano na aeronáutica

A esta altura, os motocicletas com motores radiais caíram em desuso, com o advento de motores em linha ou em “V”, refrigerados a ar ou água. Porém, com o advento da customização, ou modificações cada vez mais ousadas das motocicletas pelos seus proprietários, os motores radiais voltaram a ser aplicados em motos, de uma forma bastante inusitada: motores de aviões começaram a serem adaptados em motos.

A inusitada adaptação de um motor de avião em uma moto custom atualmente.

QUAL A VANTAGEM DO MOTOR RADIAL NUMA MOTO?

O que pretendo aqui não é dizer que um motor de avião deve ser colocado numa moto, o que seria um exagero de potência e mesmo um risco à vida do condutor, mas na minha opinião, o motor radial é mais uma das velhas tecnologias que jamais deveriam ter caído no esquecimento, como o carburador mecânico e o freio a tambor.

O motor radial novamente aplicado numa moto na sua posição original (voltado para a frente) - A tecnologia  Anzani retorna às motos (www.moto.com.br).

É aqui que entra no assunto as metralhadoras, em especial uma metralhadora inventada no século 19 cujo sistema e utilizado até hoje: A metralhadora Gatling.

GATLING MACHINE GUN

Patenteada em 1862 pelo médico norteamericano Richard Jordan Gatling para ser usada na Guerra Civil Americana, podia disparar 200 tiros por minuto, acionados por uma manivela.

Metalhadora Gatling 1862: com seis canos girando sincronizadamente, podia disparar um grande volume de tiros, alimentada por gravidade. Foi a primeira e definitiva metralhadora (www.nps.gov)

Naquele tempo, as armas de fogo, em sua maioria ainda carregadas pela parte da frente do cano, tinham o inconveniente de explodir após sucessivos disparos, devido ao superaquecimento. Gatling então inventou um sistema de canos rotativos que não só evitavam que os canos superaquecessem, como aumentou o número de tiros que poderiam ser disparados por minuto ininterruptamente.

O sistema Gatling atravessou o século, sendo usado na atual M134 Minigun usada pelo Exército dos EUA, porém acionada redesenhada pela empresa General Eletric, sendo capaz de disparar 6.000 tpm.


M134 Minigun: usa o mesmo sistema Gatling, porém elétrico (www.keyword-suggestions.com)


M197 Vulcan: apenas 3 canos, porém a cadência de tiro continua alta (www.imfdb org) 

ANZANI E GATLING EM MOTOS

Como já foi dito, a tecnologia de Anzani continua a ser usada, seja na aeronáutica seja para outros fins, inclusive no motociclismo através da customização.

E a tecnologia Gatling simplesmente atravessou os séculos. Como eu escrevi anteriormente, o funcionamento de um motor é comparável ao disparo de um projétil de arma de fogo: a espoleta seria a vela de ignição; o estojo seria o cilindro do pistão; a pólvora a mistura de ar/ combustível; e o projétil, a energia aplicada ao virabrequim/ transmissão.

De baixo para cima: espoleta (vela), pólvora (ar/gasolina), esfera (projétil) (pistão). (www.armeriachapeco.com.br)

Considerando o cano de um arma a extensão do estojo, logo, o equivalente da ‘camisa’ do pistão, a mesma regra vale sobre o superaquecimento: sucessivos disparos a curtos intervalos (combustões) na câmara do pistão tendem a ameaçar a integridade do bloco. É isso que tanto o sistema Gatling quanto os motores semi-radiais de Anzani evitavam.

Como funciona o sistema Gatling - apenas um cano dispara por vez em rodízio (e não os seis, como muitos pensam) (www.pakistantoday com pk).

Motor radial com 9 pistões (avião) e as fases de combustão (em azul): a queima se dá em um pistão por vez (no caso, o do meio, acima). Funcionamento idêntico ao sistema Gatling (www.motorera.com).

Na verdade, após a segunda metade do século XX, motores de motos com mais cilindros se tornaram comuns, em geral desenhados para mais potência, mas a ideia de um pistão trabalhando por vez se fazia presente, até mesmo por uma questão de funcionalidade.

Tais motores em geral traziam de 2 a 4 pistões em linha longitudinais (em fila) ou transversais (cruzando o chassi da moto). Nas motos custom, prevaleceram os motores com cilindros em “V”.

Atualmente, tem sido lançadas no mercado motos com 3 pistões em linha reta ou “atravessados”, em geral refrigerados a água. É o caso da custom Triumph Rocket 3, de 2.300cc. 

Rocket III: 3 cilindros, porém em bloco, necessitando de refrigeração a água (www.taringa.net).

Em casos como esse, a potência é uma consequência natural do uso de mais de 2 blocos. Como os blocos são contínuos, ou seja, não há separação entre eles, o “sistema Gatling” não acontece.

Não era o que acontecia com os cabeçotes separados do motor em leque de Anzani. Com cada um trabalhando por vez e isoladamente, a refrigeração a ar era o suficiente para evitar o superaquecimento.

Não tenho vastos conhecimentos de Mecânica e Engenharia, mas desenhei um modelo custom com motor semi-radial de 129cc, com 3 blocos dispostos em leque com 43cc cada. A mecânica geral não é diferente de uma moto tradicional, posto que o sistema de admissão/combustão/exaustão é o mesmo, assim como a carburação e o sistema de ignição. Um projeto mais elaborado seria caro a um Engenheiro Mecânico, algo que estou longe de ser.

Imagino que os benefícios de um projeto semelhante, porém, seriam a vida longa do motor, o melhor desempenho a longas distâncias, e a segurança de mais de um pistão trabalhando ao invés de apenas um, consumo dentro de um limite aceitável, dentre outros.

Pode ser que eu seja criticado por aplicar tal sistema num motor de baixa cilindrada, mas essa é a ideia: Uma moto potente apesar de “pequena”, durável, confiável, com custos de produção e manutenção que eu nem ousaria dizer que são caros – hoje em dia, são incluídos tantos acessórios e tecnologias inúteis nas motos (Pair, carburador elétrico/ a vácuo, freio a disco, etc.), que um motor de "Anzani" 129cc com 3 cilindros não seria muito mais dispendioso.

Batizada de “Mark – I”, em homenagem ao primeiro ‘tanque’ blindado da história, tento recuperar do ostracismo  a maravilhosa tecnologia Anzani, que na verdade nunca saiu de moda – ele está cruzando os céus até hoje, quem sabe não volte a cruzar as estradas?

A legenda da numeração das partes da moto se encontra em sentido horário, com algumas irregularidades que não pude evitar, e está em português e inglês. Sugestões e comentários são bem-vindos, guardado o respeito.

Mark-I: 129cc distribuídos num motor radial "Anzani" (Ver detalhes abaixo).






Nenhum comentário:

Postar um comentário