quinta-feira, 11 de agosto de 2016



'MENTE MANUQUE' (com a mente e as mãos, lema do Boxe)


INTRUDER: A HISTÓRIA DE UMA CUSTOM

Desde os 15 anos, desejei ter uma moto custom. Na época, a Yamaha Virago estava no sonho de consumo de pessoas como eu, quem no caso não podia ter uma moto daquelas, fosse pelo preço, fosse pela própria idade.

O tempo foi passando, tirei carteira, esqueci meu sonho de duas rodas por um tempo e finalmente comprei um carro, mas não demorou para que o sonho retornasse com força total.
Porém, as motos custom que haviam no mercado eram apenas de alta cilindradas e acima do que eu poderia pagar (na cidade onde eu morava). Contentei-me em andar em modelos streets como YBR e Titan por um tempo, até que finalmente surgiu no mercado modelos custom de baixa cilindrada acessíveis à minha realidade.

Meu primeiro alvo foi a Mirage 150. Para mim, era a que mais possuía o genuíno desenho custom, mas não achei em lugar nenhum do Brasil onde eu pudesse compra-la. Passei então à Dafra Kansas 150, mesmo ciente de suas deficiências sob a bela aparência, mas também não consegui adquirir porque eu havia chegado no momento de transição para a sua sucessora: a Horizon 150, que chegaria somente meses mais tarde.

Eu não podia e não queria esperar. E se tivesse esperado, teria arrependido: arremedando um modelo da Harley-Davidson mais “racer”, a Horizon não se mostrou exatamente a custom que eu queria. Restou-me a última opção, que eu tinha procurado evitar: uma Suzuki Intruder 125, que eu tive que comprar numa cidade vizinha próxima.

Intruder 2015, o modelo que comprei (fonte: Site Suzuki)

Intruder LC 250: Não encontrei referências dela no Brasil, parece que foi fabrica na Europa e EUA a partir de 2001. Custava a Suzuki criar a Intruder nessas linhas? Qual o problema com os latino-americanos?

Meu problema com a Intruder era o seguinte: a Suzuki anunciava uma moto custom, quando na verdade ela se parecia mais a um modelo híbrido custom/street. Faço uma análise rápida do design da moto nesta perspectiva:

·         O tanque de combustível, em forma de gota (mais arredondado no novo modelo) poderia ser mais encorpado e achatado, como o da Kansas, p.e..

·         As peças cromadas e o retrovisor são o que redimem a moto.

·         A garupa parece a de uma moto ‘cargo’.

·         O escapamento é uma desgraça completa, como a maioria das motos custom ou não, passando longe do conceito.

·         A distância entre eixos está aquém de uma moto custom, uma de suas características principais, basta comparar com suas similares.

·         Por fim, a suspensão traseira empina demais o banco (o qual lembra mais uma street), terminando de descaracterizar a moto como custom.

MUDANÇAS

Eu sempre fui da opinião que a gente deve jogar com as cartas que temos à mão, e não lamentar as que não temos. Eu olhava essas “falhas” na Intruder e conseguia enxergar nela a moto que eu sempre quis. É como dizem, o escultor faz seu trabalho tirando o que é desnecessário, até revelar a beleza das formas.

Beleza das formas – essa foi minha diretriz desde o momento que minha moto desceu da caminhoneta da concessionária.

 De cara, arranquei o bagageiro ‘cargo’. O passo seguinte foi colocar um guidon custom, mas fui pego de surpresa quando descobri que teria que aumentar os cabos para que o guidon que comprei servisse. Então mudei de estratégia: preferi comprar ‘risers’ ou levantadores de guidon (4 cm) do que fazer a complicada e cara troca de cabos. O guidon da Intruder em si não é tão ruim do ponto de vista custom. Posteriormente comprei um paralelo que por acaso era mais largo e melhorou ainda mais essa parte.

Continuei comprando uma pedaleira avançada. Quando o produto chegou, percebi que o lugar para por os pés estavam altos demais para que eu pudesse manejar os comandos câmbio/freio traseiro. Então cerrei as pedaleiras nas pontas, na peça que tinha um formato de ‘Ω’ invertido, e os encaixei em linha reta, deixando-os praticamente no mesmo nível dos comandos, que eu passei a acionar com os calcanhares. Juntamente com o guidon alto, essa pedadeira avançada permite uma posição sentada mais ‘folgada’ de pilotagem, como é típico das custom.

O passo seguinte seria rebaixar a suspensão traseira. Pesquisei vários amortecedores menores que pudessem servir, até que encontrei numa loja chamada ‘Race Custom’ um modelo com apenas 27 cm (o original da intruder vai além dos 30 cm), próprio para Kansas e Mirage, de modo que tive de adaptar o anel metálico inferior para encaixar na minha Intruder.

A moto se transformou. Como eu disse, a suspensão alta demais descaracterizava o desenho custom, e com isso ela começou a chamar a atenção, até porque a suspensão dianteira se levantou para compensar, ajudando ainda mais o formato custom. Mas ainda faltava alguma coisa.

Então voltei minha atenção para o banco, que em nada lembra uma moto custom. A princípio, tentei reduzí-lo, tirando cerca de 5 cm da parte de trás. Ajudou, mas ainda lembrava mais um banco street.



Voltei às minhas pesquisas, até encontrar um kit de banco solo de molas para Intruder. Era o que eu buscava, de cara me recordei das Harley-Davidson, especialmente o modelo 1944 do exército americano, o meu preferido. Adquiri o kit e pus a mão na massa. Serrei, furei, esmerilhei, parafusei, e quanto terminei não acreditei no que estava vendo.



Detalhe molas/ conexão para banco carona.



Detalhe da rabeta após as alterações.

Foi a intervenção mais invasiva que fiz na parte estética da moto até então. Eu tive que desmontar os cabos de pisca/farol para que dexasse o para-lamas traseiro ‘clean’, realçando seu cromo. Foi algo positivo especialmente porque eu descobri que o cabo do farolete traseiro estava quase se rompendo – quando rebaixei a suspensão, não observei que o cabo estava folgado, então o pneu o roía prensando-o contra o para-lamas. Reconstituí o cabo, ajustei sua posição, e pintei a parte plástica do para-lamas, para que ganhasse realce.

A minha moto virou ‘atração turística’. Todo mundo queria saber que moto que era, de onde vinha, onde eu tinha comprado, elogios, etc. Eu havia conseguido a ‘façanha’ de transformar uma simples Intruder num modelo “chopper soft tail’. Sangue, suor e garra.



Da minha parte, eu estava contente, mas também acredito que certas coisas sempre podem ser melhoradas, como é mostrado no filme “Desafiando Limites” com Antony Hopkins e sua moto: é possível extrair o máximo de uma máquina, se você tiver as ferramentas e o conhecimento certo, e principalmente as pessoas certas para lhe ajudarem (mecânicos, vendedores, etc.).

Quem coloca um banco solo na moto é porque já tem a consciência de que não vai carregar mais ninguém. No meu caso, os próprios amortecedores já não eram ideais para mais de uma pessoa. Mas a ideia de colocar um banco carona me perseguiu. Nunca se sabe quando pode ser necessário.

Não achei nada no mercado dentro ou fora da internet. Obstinado, eu não estava disposto a desistir, porque eu tinha recursos à mão: eu morava junto à oficina de marcenaria de meu pai, e tinha alguns materiais em casa que poderiam servir para fabricar um banco carona removível.

Após pesquisar alguns modelos de outras motos, encontrei o modelo de banco carona suspenso de uma Harley-Davidson, que não recordo o modelo. Parecia o que iria funcionar.

Achei alguns linguotes de ferro e aço, de diferentes tamanhos e espessuras, e dentro da minha condição leiga sem esquecer o bom-senso, testei um por um para ver se serviriam. Eu precisava de um aço com têmpera não muito dura nem muito mole, que pudesse se deformar com a ação da temperatura, trepidação e peso. Finalmente achei uma barra de aço espessa o bastante com a dureza Rockwell que eu buscava – moldá-la, fazer o fundo do banco, estofá-lo e perfurar os pontos de conexão com o banco solo não foram problemas.


Todos poderão observar que o meu escapamento é todo preto -  apesar de continuar inadequado em termos de design, o escapamento da nova Intruder veio até simpático, com guarnição cromada e detalhe plástico em preto. Em função de uma queda, a parte cromada ficou seriamente danificada na minha moto, então decidi pintar tudo de preto – lixei o cromo e apliquei um preto fosco para altas temperaturas.

Satisfeito com o aspecto externo da moto, voltei meus pensamentos para algo que até então eu não sabia – as motos Intruder a partir de 2012 tiveram que se submeter ao “PROMOT 3”, até onde entendi, um regulamento para controlar emissões de poluentes. O primeiro impacto foi que a moto perdeu seus 12,5 cavalos ficando apenas com 11 cv, em função de um dispositivo chamado PAIR, uma tecnologia que reprocessa os gases da combustão dentro do próprio motor, e do novo carburador MIKUNI BS25.

Isso me preocupou: se por um lado a Intruder era uma custom ‘feia’, ela tinha o motor mais confiável e potente da categoria (125cc), e isso para mim vinha acima de tudo, porque eu sou um biker estradeiro, e aprendi que uma moto de baixa cilindrada pode levar alguém a qualquer lugar tanto quanto uma de grande cilindrada – e com mais segurança, pois não há margem para abuso de velocidade.

A minha primeira ação no novo ciclo de mudanças mecânicas foi remover o PAIR. Desconectei as mangueiras, selei o buraco no motor com uma plaqueta de ferro, e tampei os demais buracos com borracha.

Então passei ao carburador. Como o filtro de ar de espuma é considerado o melhor para a respiração do motor, abri algumas frestas na tampa da entrada de ar, e regulei o parafuso da mistura, esperando melhorar o desempenho.



As frestas na tampa da caixa de ar.


Mas tudo o que obtive foi aumento de consumo e um discutível aumento de resposta. Conclusão: o carburador MIKUNI BS25 de fato é limitado, mesmo porque ele possui outro complicador que eu só tomei conhecimento bem depois: ele não é totalmente mecânico, ele  trabalha à vácuo com TPS (Sensor de Posição de Válvula de Borboleta).

Seja qual for a razão,eu sempre me lembro do Homem de Ferro, sim, o herói. Nos gibis, Tony Stark nunca parou de incrementar suas armaduras com novas tecnologias, mas sempre, vez por outra, elas o deixaram na mão e ele teve que usar sua Mark I, a sua primeira armadura mecânica de aço. Vejam: imaginem o consumo sobre a bateria de mais um dispositivo eletrônico que funciona ininterruptamente, e pensem em toda vulnerabilidade que um circuito eletrônico representa – a água é o primeiro deles. Numa moto com carburador mecânico, se houver pane na parte elétrica, ainda é possível dar um tranco na moto e andar por um tempo, a menos que a bateria esteja completamente descarregada, mas no caso da nova Intruder, p.e., es ist kaputt, já era.

Eu havia percebido rapidamente que o BS25 possuía alguns 'defeitos': Com o tempo ele caía a marcha lenta. provavelmente pelo grande parafuso na vertical, o qual, mesmo com a mola de pressão, tende a se afrouxar com a trepidação.



Carburador Mikuni BS25. No topo à direita, o parafuso de regulagem da marcha lenta.



A parte eletrônica do BS25.


Percebi também que o moto não tinha a mesma resposta rápida nas mudanças de aceleração que eu via nas outras motos, pelo menos considerando as marcações do contagiro, e entendi que este 'delay' só poderia ser em função no monitoramento eletrônico do carburador.


Outra coisa que incomoda são alguns ‘apagões’ inexplicáveis da moto, mas não dá para atribuí-los ao carburador ou à parte elétrica – ou a ambos, já que estão conjugados.

Finalmente, a moto simplesmente não dá partida no frio, mesmo usando o afogador, acionado através de uma alavanca inserida na caixa de comando esquerda do guidon, o qual demorava ou mesmo não aumentava a aceleração para aquecer o motor, o que não acontece com um carburador mecânico com afogador embutido.

Essas considerações sobre o carburador BS25 justificam o procedimento que vou descrever no título das alterações mecânicas a seguir.

Assim, eu estava disposto a recuperar os 12,5 cv originais das Intruders clássicas, e ter a confiabilidade de um carburador mecânico então dei início a uma série de intervenções na parte mecânica.


Mas antes eu tinha outro desafio: o freio a disco. Em termos de parada, é indiscutível a eficiência dessa tecnologia, mas em pilotagem, simplesmente parar de uma vez nunca é um bom negócio.

O freio hidráulico é capaz de interromper imediatamente o movimento da moto não importa a velocidade ou se é um ser humano que está sobre ela. Ele simplesmente TRAVA a roda, mas não observa as leis da física: a moto vai continuar em movimento (inércia), e, conforme a situação, vai fazer com que os pneus derrapem e derrubem a moto no chão.

Foi o que aconteceu comigo. Minha moto não tinha 3.000 km rodados, e eu já havia tido três quedas, em função de frenagens bruscas comuns em trânsitos muito movimentados em que se é surpreendido com um risco de colisão de repente. Pode ser que eu estivesse com o mau hábito de usar por impulso o freio da frente, mas nas outras motos que tive com freio a tambor, pelo menos, eu podia regular a intensidade do freio para não cair toda hora. De resto, eu sempre achei que freio a disco deveria vir no freio de trás, onde seria mais útil e seguro, mas vai entender a cabeça dos projetistas e fábricas...

Eu só sabia o que estava na minha própria cabeça: o freio a disco não mais me jogaria no chão. Após muito observar e pensar, vi que não havia muito a fazer, a menos que eu estivesse disposto a desmontar a roda toda e tirar o sistema, ficando sem freio. Mas eu precisava ainda do freio, eu apenas queria que ele não travasse a roda e virasse a mesa de direção, o que acontece em toda freada brusca na frente.

Foi então que, estudando a mecânica do freio, achei um ponto de intervenção: a saliência do manete que acionava o pistão hidráulico que fazia funcionar o freio. Com facilidade, removi o manete e esmerilhei a protuberância até que ficasse num tamanho tal que o freio poderia funcionar mas ainda deixar a roda livre. A medida foi um sucesso, e no mais, aprendi a utilizar mais o freio traseiro.


A saliência que aciona o pistão do freio a disco limada (no centro). O manete é cromado.


Pedaleira avançada (à esquerda): item indispensável numa custom. Aqui, não foi necessário alongar os comandos até a pedaleira, como em alguns modelos, aqui o freio e as marchas são acionados com o calcanhar.
Agora sim eu poderia me lançar à parte mais ousada do meu projeto: melhorar o desempenho do motor em seu limite.

CONTINUA...

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